PAULO GUEDES E O NEGACIONISMO TRIBUTÁRIO

Artigo Deputado Baleia Rossi (SP), presidente nacional do MDB para Folha de São Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é reconhecidamente um homem inteligente. Nem seus adversários e críticos ocasionais põem em dúvida a capacidade de Guedes, que teve uma passagem respeitável na academia, foi um banqueiro de sucesso e colunista de veículos de imprensa antes de chegar ao governo.

​Outra característica admirada em Guedes é a força com que defende suas convicções e a obstinação com que as persegue. Durante anos, ele propôs reformas que liberem a economia brasileira das travas do crescimento. No alto dessa agenda, está a modernização do sistema tributário.

​Guedes está certo, e o Congresso sabe disso. Tanto a Câmara quanto o Senado esperaram em 2019 por uma proposta de reforma tributária elaborada pelo Ministério da Economia. O documento jamais apareceu. Nunca passou de reportagens de jornais, muitas das quais tiveram o Ministério da Economia como fonte em “off”.
​Mudar o sistema de tributos é uma atribuição exclusiva do Congresso.

Só deputados e senadores podem fazer isso. Tanto nesse como em outros assuntos, é desejável que trabalhem em harmonia com o Executivo – desde que o governo trabalhe.

​Em abril de 2019, apresentei a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Três meses depois, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) apresentou uma PEC 110. As duas atacam o capítulo do sistema tributário que atrapalha freia a atividade econômica e a geração de empregos: os impostos sobre o consumo.

​A PEC 45 e a PEC 110 têm tanto em comum que deputados e senadores decidiram analisá-las em conjunto para facilitar a aprovação nas duas casas. A PEC 45 poderia elevar o PIB em até 20 pontos percentuais em 15 anos, segundo projeção do economista Bráulio Borges, e obteve o aval de todos os governos estaduais, algo inédito e que permitiria sua aprovação.

Lamentavelmente, o governo falhou em participar do debate, propondo alternativas para o que considerasse inoportuno nesses projetos. Fez o contrário. Bombardeou as duas propostas com declarações desencontradas, idas e vindas e, mais recentemente, convencendo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a extinguir a comissão que analisou a PEC 45 e jogar no lixo o trabalho de 760 dias. Isto é, mais da metade do mandato do seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro.

​Em entrevista a esta FOLHA, Paulo Guedes discorreu sobre seu projeto de reforma tributária – muito falado, mas nunca lido. Com sua verve caudalosa, defendeu mudanças na tributação sobre a renda e deixou de lado os impostos de consumo. Mais: chamou a PEC 45 de “armadilha”.
​Já sabemos o quanto Guedes é inteligente. Certamente, conhece o texto “Reforma Tributária e Federalismo Fiscal: Uma Análise das Propostas de Criação de um Novo Imposto Sobre o Valor Adicionado Para o Brasil”, de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado a Guedes.

Se leu, está a par das virtudes da PEC 45. Se não, ainda está em tempo de aprender. Quanto às desculpas que deve aos parlamentares e economistas que tanto se dedicaram ao assunto, talvez seja melhor relevar.

​Tudo o que o governo fez até hoje em relação a reforma tributária foi sabotagem. Quando se discutia a PEC 45 e a PEC 110, o Ministério da Economia falava em imposto único ou imposto digital, ideias nunca expressas no papel.

Torpedeou as duas e nunca apresentou alternativa. Agora, mistura tudo com os impostos sobre a renda. No fundo, quer a volta da CPMF com outro nome, o que só aumenta carga tributária.
Paulo Guedes é inteligente. Sabe que não haverá reforma tributária com contradições, ofensas e sem um texto que se possa analisar, que foi o que aconteceu até agora. Se um homem preparado como ele optou por esse caminho, é porque, na verdade, aprova o sistema de impostos que está aí. Não é preciso instalar uma CPI para concluir que Paulo Guedes optou pelo negacionismo tributário.