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História do MDB

Pelos registros da nossa história recente, surpreende que o MDB tenha resistido a tantas pressões de governos ditatoriais, divisões internas, esvaziamento, crescimento, novas divisões e se mantenha como a legenda de maior base no território nacional. É possível explicar. Sofrida, com maus e bons momentos, a história do MDB é a história do Brasil que continuou pulsando a partir de 1964. Se manteve em movimento, com contradições, abrigou vários tipos de ideologias e tendências políticas, instigou, gestou outros partidos, mas se manteve no centro das discussões durante, na queda e após o regime militar. Hoje, para contar um pouco da história do MDB é preciso não só falar da história do Brasil, mas de praticamente todos os partidos, à sua esquerda, ou à sua direita.

Oficialmente o MDB, teve sua fundação em 24 de março de 1966 com o registro na Justiça Eleitoral. Era um dos resultados da extinção dos partidos imposta pelo AI-2 e a instalação do bipartidarismo logo em seguida. Uma tentativa de imitar a bipolaridade norte-americana, democratas versus republicanos. A diferença, que se evidenciou antes mesmo do registro do MDB, é que o papel destinado pelos militares à oposição se resumia a isto: o de opositor, mas inofensivo ao poder. E muito menos que ambicionasse ao poder.

O Princípio

Na verdade, o Movimento Democrático Brasileiro constitui-se informalmente em 4 de dezembro de 1965, como oposição a Arena. Quem o batizou foi Tancredo Neves. Venceu ali a primeira queda de braço com o “prosador da arcadas” do Largo de São Francisco, deputado Ulysses Guimarães, um pessedista que preferia o termo Ação a Movimento. Nesse mesmo ano, quando ocorreram eleições diretas para governador em o nze estados, os militares já haviam demonstrado quais eram os limites da oposição evitando, através de “oportunas” mudanças nas regras do jogo, que dois oposicionistas – Hélio de Almeida, ex-ministro de Goulart, e Sebastião Pais de Almeida, ex-ministro de JK – disputassem os governos da Guanabara e de Minas Gerais. Eram francos favoritos. JK e Goulart estavam no exílio.

Permitiram Negrão de Lima, ligado ao PSP de Adhemar de Barros, e Israel Pinheiro, pessedista próximo a JK. Dois oposicionistas pouco ortodoxos que rapidamente aderiram ao poder central. Mesmo assim, essas duas vitórias provocaram sobressaltos nos meios militares que desaguariam no AI-2. Além de obrigar o País ao bipartidarismo, tornaram as eleições indiretas nos o nze estados restantes. De qualquer maneira, o então presidente Castelo Branco garantiu a posse dos eleitos, o que lhe valeu um desgaste definitivo entre os colegas de caserna. Ele não faria o sucessor.

Cautela

Rever a história é abrir baús que, vistos fora do ambiente político e social da época, podem conter momentos estranhos. Para um partido com o tamanho e a história do MDB não é diferente. Na eleição indireta do general Garrastazu Médici, sempre lembrado como o mais duro do regime militar, o partido se dividiu em quatro. Alguns apostavam nos bons propósitos expressos por Médici antes da eleição. No MDB tínhamos os “duros”, que simplesmente não queriam comparecer ao Colégio Eleitoral em protesto aberto; os “moles”, que não queriam apenas comparecer, mas votar em Médici, como um “voto de confiança”; e dois grupos apelidados de “pastosos”. Os integrantes do primeiro grupo queriam comparecer e votar em candidato próprio. Seria um protesto, mas legitimaria o Colégio Eleitoral. O segundo grupo pregava o comparecimento sem votar em ninguém. Foi o majoritário.

Entre os que procuravam evitar o confronto mais duro que, diziam na época, resultaria em mais atos institucionais e mais repressão naquele cinzento final da década de 60, duas figuras marcariam de forma definitiva os futuros passos do MDB: Ulysses Guimarães e Franco Montoro. Ulysses já pregava o restabelecimento das prerrogativas do Congresso, as eleições diretas, inclusive para presidente, mas pedia atenção ao “aceno de liberalização do Presidente Médici e cooperação para que seu desejo de redemocratização se realize”.

Montoro dizia: “A oposição que estamos fazendo é a mesma de sempre e ela se pauta pelo realismo político. A experiência demonstra que, toda vez que a oposição quis queimar etapas, tanto antes como depois de 1964, ela nada conseguiu e as conseqüências sempre representaram um retrocesso político”. Entre os duros destacava-se o deputado Caruso da Rocha que considerava impossível o partido renunciar ou mesmo adiar bandeiras de seu programa como a anistia, o habeas corpus , a justiça civil para os civis e as eleições diretas. Bandeiras que permearam todo o caminho do partido.

Oposição necessária

O primeiro presidente do MDB foi um general, o senador pelo Acre, Oscar Passos. Como a Arena era o braço auxiliar de um regime que prometia longos anos no poder, alterando as regras do jogo a nível nacional e local, não foi fácil para o MDB conseguir a adesão, mesmo que momentânea, de 120 deputados e 20 senadores necessários para registrar a legenda. Era comentário de bastidores na época que o próprio presidente Castelo Branco havia convencido alguns senadores a se integrarem ao MDB para possibilitar o seu registro. O novo sistema precisava de um partido de oposição para não caracterizar a ditadura de partido único.

As representações do MDB nas assembléias legislativas dos estados sofriam pressões do poder central disseminado nas administrações estaduais. Com uma economia centralizada no Estado e regras eleitorais mutantes, a Arena dominava a cena política.

A partir de dezembro de 1968, mês e ano do AI 5, que teve como pretexto o discurso do medebista Márcio Moreira Alves, o partido passa a ser mais combativo. Mas a agitação estudantil e a luta armada, empurram boa parte do eleitorado oposicionista para o voto nulo, como forma de protesto contra o regime, contra o próprio AI-5, que fez vítimas no MDB.

Com as eleições transformadas em indiretas após 1966, o MDB só conseguiria eleger seu primeiro governador em 1970: Chagas Freitas, no Rio de Janeiro. Chagas acabou no MDB mais por falta de espaço na Arena, tomada pelos lacerdistas (que sonhavam fazer do seu líder ministro da Educação), do que por vocação oposicionista. A idéia da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que só vingaria no distante ano de 1985, nasceu em 1971 num seminário do partido em Recife. Brotou ali também a idéia de uma anticandidatura para dar projeção ao partido. Ela vingou, mas desuniu e deixou descontentes.

1974: O grande salto

A década de 70 marcaria o grande salto do MDB. Além da linha mais combativa que abria espaço para lideranças populares, outros fatores contribuíram de forma significativa para o crescimento do MDB: a crise do petróleo provocou o fim do milagre econômico e o esfacelamento da luta armada. O MDB assumiu definitivamente o papel de escoadouro das insatisfações em todos os níveis. Torna-se uma frente oposicionista. O timoneiro desta arrancada foi Ulysses Guimarães. O Grupo Autêntico do MDB, que já vinha amadurecendo a idéia no início de 70, resolveu lançar Ulysses como anticandidato na passagem do governo Garrastazu Médici para Ernesto Geisel. Em companhia de Barbosa Lima Sobrinho, o vice, Ulysses percorre as capitais do País com a pregação das idéias oposicionistas. Ganha espaço na mídia interna e alcança grande repercussão no exterior, o que mais irrita os militares. A semente estava lançada, mas Ulysses foi além do combinando com os autênticos. A idéia era que renunciasse no dia da eleição. Ele resolveu ir até o fim, o que deu legitimidade ao Colégio Eleitoral e à eleição do general Ernesto Geisel.

Apesar do clima de chumbo da época – que obrigou Ulysses a enfrentar literalmente os cachorros da polícia baiana do governador Roberto Santos em visita a Salvador – os autênticos tinham lá o seu humor. Como o adversário era um militar, ou os militares, resolveram montar também a sua hierarquia de caserna. No grupo cada um tinha uma patente: Fernando Lyra era o “cabo Lyra”, Alceu Collares o “sargento”, Alencar Furtado o “coronel”, Marcos Freire o “almirante”, Chico Pinto o “marechal”. Nem todos gostavam dessa brincadeira, mas era o “nosso exército”, lembra Chico Pinto.

Susto e reação militar

Ironicamente, o anti-candidato Ulysses Guimarães em campanha só não foi ao Rio de Janeiro, barrado por Chagas Freitas, governador eleito pelo próprio MDB. Nenhuma surpresa. Chagas já havia impedido o acesso de candidatos do grupo “autêntico” do MDB no horário de TV do partido. Entre os autênticos que orbitavam em torno de Ulysses contra os “moderados” de Tancredo Neves, destacavam-se ainda Mário Covas, Franco Montoro, Lysâneas Maciel.

No Senado, que se mostrara um terreno estéril para o partido na sua fundação, também deu seu salto significativo neste ano de 1974. Passou de quatro senadores em 1966, três em 1970 para 16 em 1974. E mais: elegeu neste ano 44 por cento dos deputados federais e a maioria de deputados estaduais em seis assembléias legislativas, o que lhe garantia a eleição indireta dos governadores destes estados.

O governo militar tomou um susto. As regras para existência de uma oposição sem opção de poder estavam sendo derrubadas. E novo susto nas capitais com as eleições municipais de 1976, com novo avanço emedebista. O eleitorado era cada vez mais urbano e, na medida do possível para a época, melhor informado e mais independente. A reação dos militares foi o pacote de abril de 1977 baixado pelo presidente Ernesto Geisel, que destinou um terço das cadeiras do Senado para os “biônicos”, indicados pelo governo central e eleitos pelas assembléias legislativas, manteve as eleições indiretas para os governos estaduais e ofereceu ao País a Lei Falcão.

No horário da propaganda eleitoral o País passou a assistir o desfilar de retratos dos candidatos com apenas um fundo musical. Não se sabia a que vinham ou propunham. Com tanto esforço “revolucionário”, a Arena, em 1978, manteve a maioria na Câmara (55%) e no Senado (62%). O MDB perde poucos deputados. Mas o governo perde um aliando que história ao trocar a Arena pelo MDB na reforma partidária: Teotônio Vilela, o “menestrel das Alagoas”. Não surpreendeu ninguém. Ele já votava com a oposição em todas as matérias no Senado. Mas seria com ele no MDB, visitando os presídios, percorrendo o País, que a luta a favor da anistia e dos presos políticos ganharia um novo patamar nas pressões populares pela abertura.

A candidatura do general

O jogo virava lenta e persistentemente. De 1970 a 1974, o MDB havia dobrado sua representação na Câmara: de 87 para 165 deputados. No pleito seguinte cresceu para 189. As eleições estavam se transformando em verdadeiros plebiscitos. Embalado pelo sucesso eleitoral e pelas movimentações nas ruas, o MDB resolve dar sua cartada mais ousada e concorrer com candidatura própria à Presidência da República dentro do Colégio Eleitoral. Como se evidenciavam algumas divisões entre os militares, o partido foi buscar no general Euler Bentes o seu candidato, que faria dobradinha com o senador Paulo Brossard, do Rio Grande do Sul, jurista respeitado pela oratória.

Na V Convenção Extraordinária do MDB, o líder do partido na Câmara, deputado Tancredo Neves saudou o general: “O MDB a partir de hoje é uma legião de homens livres sob o seu comando. Aponte o caminho e nós o seguiremos”. Ele não indica caminho algum e sua candidatura murcha. O general Figueiredo, candidato do regime, é eleito. Na posse, ele faz um apelo à conciliação nacional.

Reeleito líder na Câmara, Tancredo reagiu com simpatia: “O MDB, visceralmente democrático, não pode ser insensível ao apelo do general Figueiredo”. Evidentemente provocou desabafos dos autênticos.

“Ninguém mais se ilude com essas promessas feitas por Costa e Silva, Médici, Geisel e agora o general Figueiredo”, rebateu o deputado Jarbas Vasconcelos.

Do MDB para o PMDB

Em vez de conciliação e diante do quadro eleitoral com a oposição avançando ano a ano, o sucessor do general Geisel, também se valeu da alternativa de baixar nova reforma política. E com o artifício adicional de exigir o termo partido à frente das siglas, com o claro objetivo de matar a força da legenda MDB.

A abertura lenta e gradual, o caldeirão político alimentado pela crise econômica e a pressão política promoveram o retorno dos exilados. Recrudesceram também as pressões sociais com um sindicalismo cada vez mais atuante, pulsando principalmente no ABC paulista.

A estratégia de manter o poder, ou de promover a abertura lenta e gradual, levaria o Governo central a argumentar que a democracia que se avizinhava não suportaria as duas amarras políticas do bipartidarismo, a Arena de um lado, que também possuía os seus rebeldes de ocasião, e o MDB, com os autênticos, de vários matizes, e os moderados, normalmente circulando em torno de Tancredo Neves. Mas desenhava-se sobretudo a estratégia de abrir espaço para grande trunfo civil do governo na época: Petrônio Portella – piauiense com bom trânsito em todas as correntes – alçado ao Ministério da Justiça.

Promoveu-se a reforma política através do Congresso extinguindo o bipartidarismo. Os núcleos do MDB, transformado em PMDB, e Arena, com o nome de PDS, foram mantidos. Mas a mudança que mais agitou os meios políticos foi a criação de um novo partido o PP, com Tancredo Neves à frente – o que esvaziava o PMDB e apresentava uma saída possível para o regime. Ele deveria abrigar a provável candidatura Petrônio Portella, alternativa civil do regime.

Em torno desses três, orbitariam dois outros partidos criados para abrigar os trabalhistas, que mal se continham dentro do MDB com o retorno de Leonel Brizola – do histórico PTB, depois repartido em PDT – e os sindicalistas do Sul e Sudeste liderados pelos líderes sindicais do ABC paulista, o PT. Como se esperava, outros partidos que possuíam alguma história antes do regime militar como PSD, UDN e PDC, preferiram ficar sob o guarda chuva do PMDB ou PDS.

O PP se aglutinou rapidamente em torno de 90 deputados, quase retirando a maioria do PDS. Mas a morte de Petrônio Portella fez o partido refluir para menos de 70 deputados. O PMDB também perdeu quase metade de sua bancada, mesmo acomodando uma tendência social democrata que ganhou força com a volta dos exilados. Esta tendência resultaria em 1988 no PSDB.

Com a morte de Petrônio, o governo João Baptista Figueiredo tratou de proteger o PDS. As novas normas eleitorais traziam o voto vinculado e a proibição de coligações para evitar que o partido de sustentação do governo perdesse a maioria. Com isto o PP se inviabilizou. Parte retornou ao ninho peemedebista. Em 1982 o PMDB ganharia nove estados elegendo, entre outros, Tancredo Neves, em Minas Gerais, Franco Montoro, em São Paulo, e José Richa, no Paraná. Como o PDS perdeu sua maioria absoluta na Câmara, o governo tratou de rachar o PTB de Leonel Brizola, entregando a sigla a Ivete Vargas, que se coligou à maioria governista e garantiu oxigênio ao governo. Evidentemente ganhou cargos.

Aliança Tancredo/Sarney

O afloramento de novas tendências e ambições em todos os partidos não excluiu o PDS. A sua facção liberal, que reunia, entre outros, o próprio presidente do partido José Sarney, o senador Marco Maciel e o vice-presidente Aureliano Chaves, queria evitar a convenção partidária que indicaria o candidato do partido no Colégio Eleitoral na sucessão de Figueiredo. Procuravam evitar Paulo Maluf. Ele não era nem mesmo o candidato do próprio Figueiredo. Vencido, este grupo criou a Frente Liberal que, junto com o PMDB, resultaria na Aliança Democrática e na candidatura de Tancredo Neves e José Sarney. Embora tivessem candidatos indiretos, as oposições reunidas em torno do PMDB pediam as urnas. A campanha das Diretas Já iniciada com base na emenda do deputado Dante de Oliveira incendiou o país. Comícios com milhares e milhares de pessoas embalavam o ressurgimento das manifestações públicas e fortaleciam a luta pelo retorno da democracia brasileira.

Embora as ruas fossem tomadas pelas pregações de eleições diretas, foi uma interpretação jurídica do Supremo Tribunal Federal que jogou a última pá de cal no regime militar e o seu possível sucedâneo civil. O STF interpretou que a lei da fidelidade partidária vigente à época não se aplicava no Colégio Eleitoral. Resultado: Tancredo e Sarney venceram Maluf e Flávio Marcílio com uma diferença de 300 votos, 55 deles do próprio PDS e outros 113 da Frente Liberal, futuro PFL. Mas o país ficou em suspenso com a doença de morte do presidente eleito. O temor de que a redemocratização fosse frustrada após a luta de anos.

Mas após a morte de Tancredo, assumiu José Sarney, agora no PMDB. De quebra o PMDB possuía ainda as presidências da Câmara e do Senado. Mesmo dividido, o partido havia chegado ao poder.

Pronto para a constituinte

Mesmo perdendo políticos para os partidos de esquerda, que em 1985 saíram da clandestinidade, do berço peemedebista (PCB, PC do B e PSB), o PMDB agigantou-se. Se em 1985 amargou a derrota de Fernando Henrique Cardoso para Jânio Quadros na Prefeitura de São Paulo. Mas um ano depois, empurrado em boa dose pelo sucesso inicial do Plano Cruzado, venceu fácil as eleições de 1986. Elegeu 22 dos 23 governadores de estado. Com 260 deputados federais e 44 senadores, o PMDB tornou-se hegemônico no Congresso para fincar a sua grande bandeira: a Assembléia Nacional Constituinte, que foi comandada por Ulysses Guimarães.

Contudo, as divisões internas foram inevitáveis. Divisões que se agravam muito quando o partido apoiou mandato de cinco anos para o presidente Sarney. A principal vertente estava aglutinada em torno do Movimento de Unidade Progressista – MPU – que em 1988 resultaria no PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), com 10,7 % na Assembléia Nacional Constituinte.

O fracasso do Plano Cruzado e a perda desta ala a esquerda, levou o PMDB a sofrer um esvaziamento em 1989. Das 75 prefeituras nas maiores cidades brasileiras ficou com apenas 20. E, em meio a profusão de partidos que se habilitaram para disputar a sucessão de José Sarney, viu surgirem dois candidatos que iriam para o segundo turno com a estratégia quase única de bater no governo: Fernando Collor e Luiz Ignácio Lula da Silva.

O candidato do partido e seu maior líder, Ulysses Guimarães, desgastado pelo intenso trabalho de não permitir que o governo desse uma guinada a direita e pelos inevitáveis respingos de uma inflação avassaladora, ficou em sétimo lugar com menos de 5 % dos votos. Collor venceu as eleições com um egresso do PMDB ao lado, o senador Itamar Franco, então no PRN.

No poder com Itamar

Sem base parlamentar e envolvido em inúmeros casos de corrupção, o mandato de Collor foi encurtado rapidamente. Com o impeachement de Collor, o PMDB ganha algum espaço no poder através de Itamar. No entanto, a sua sucessão é que movimenta o partido. Uma enquete interna mostra que a cúpula prefere como candidato à sucessão de Itamar Franco o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto (35 por cento). Mas surgem várias candidaturas internas, com destaque para Orestes Quércia e José Sarney. A cúpula quer Britto. Sarney é que tem as preferências nas pesquisas de opinião pública, vindo logo a seguir do primeiro colocado, Lula, do PT. No entanto, quem domina a convenção é Orestes Quércia. Ele ganha a indicação. Sarney ainda ensaiaria uma candidatura fora do PMDB, através do pequeno PSC. A decisão é tardia. Já não havia prazo para uma nova filiação partidária.

A surpresa do real

Mas o quadro sucessório sofre um solavanco com a chegada do Real. Outro ex-peemedebista e um dos fundadores do tucanato, ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, consegue atrair para si os benefícios eleitorais da nova moeda, que havia atingido de morte a hiperinflação, que batia recordes históricos. Ele ganha no primeiro turno com mais de 50% dos votos válidos.

Com 103 deputados, 23 senadores e 9 governadores, o PMDB continua um partido de peso suficiente para ajudar muito ou atrapalhar muito. Assim, embora a aliança que elegeu Fernando Henrique fosse constituída basicamente pelo PSDB, PFL e PTB, o PMDB ocupa um espaço importante, mesmo que mantenha um certo distanciamento e inicialmente oscile entre apoio e oposição. A melhor prova da divisão seria dada logo no ano seguinte com a eleição de Paes de Andrade para a Presidência do partido por 76 a 75 votos. Seu adversário era Alberto Goldman, um deputado próximo a Fernando Henrique Cardoso.

A espera de 2002

Na eleição presidencial de 1998, uma ala do partido resolve apoiar a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Como de outras vezes, esta decisão provoca enormes desagrados em algumas áreas, particularmente nos setores que apostavam em possíveis candidatos os dois ex-presidentes Itamar Franco e José Sarney. Ao final de mais de seis meses de discussão, o partido não apoia a reeleição mas também não lança candidato. Fernando Henrique Cardoso é reeleito. As divisões dentro do partido levam a substituição de Paes de Andrade pelo senador Jader Barbalho na Presidência do partido.

Mas é na Presidência da Câmara dos Deputados que o partido tirará seus melhores frutos. Por dois mandatos consecutivos foi eleito o deputado Michel Temer, um jurista e professor universitário que chegou à política pelas mãos e administração do ex-governador de São Paulo, Franco Montoro. Depois da primeira eleição apertada, quando substituiu o deputado Luís Eduardo Magalhães na Presidência da Câmara, Temer foi praticamente aclamado na reeleição. Além de desengavetar e dar novos impulsos a projetos como o código civil, a reforma tributária e a limitação das medidas provisórias, foi com ele que os trabalhos da Câmara dos Deputados tornaram-se transparentes para toda a nação. Nas suas duas gestões – entre 1997 e 2001 – a casa revolucionou sua comunicação social com TV, rádio, agência de notícias, jornal e redes de acesso a todos os trabalhos dos deputados, das comissões e do plenário através da Internet. Hoje esta malha de informação permite ao eleitor acompanhar passo a passo os trabalhos do Legislativo.

No Senado, Jader assumiu com um discurso a favor de mobilizar o Congresso para garantir a estabilidade da moeda apoiando ainda o governo em dois pontos prioritários: a conclusão da reforma da previdência e a reforma tributária. O reflexo desta aproximação com o Governo rebate diretamente dentro do Congresso. PMDB e PSDB se unem afastando momentaneamente o PFL: o senador Jader Barbalho é eleito Presidente do Senado e o deputado Aécio Neves, do PSDB, Presidente da Câmara. Envolvido numa série de acusações que poderiam levá-lo a um processo de cassação por quebra do decoro parlamentar, Jader renuncia, mas o partido mantém o posto de presidente do Senado e do Congresso com o senador Ramez Tebet (MS).

Michel Temer deixa a Presidência da Câmara com o nome cotado para vários postos. Mas o primeiro passo ele dá dentro do partido: é eleito seu novo Presidente. Neste posto cabe ao deputado o gerenciamento de mais uma fermentação dentro do PMDB diante das opções de alianças ou de candidato próprio à Presidência da República.

Nomes lançados na pré-temporada eleitoral, o senador Pedro Simon (RS) e o governador de Minas, Itamar Franco, não conseguem que as ruas ecoem suas candidaturas. Os índices de Itamar e Simon nas pesquisas de intenção de votos resvalaram no traço da indiferença popular.

Sem uma candidatura própria aglutinadora, o partido passou a avaliar outras alternativas. Diante da inanição eleitoral de seus pretensos candidatos, morreu a tese da candidatura própria a presidente.

A partir de então, Temer reúne em torno de si as principais lideranças peemedebistas para definir o rumo do PMDB na disputa presidencial. Esse grupo era composto dos líderes do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima, no Senado, Renan Calheiros, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, o secretário-geral do PMDB, João Henrique, e o presidente do Senado, Ramez Tebet, entre outros.

A primeira providência de Temer foi dar um norte nas discussões. O PMDB lançou um programa de governo com todas as propostas a serem implementadas para mudar o país. Depois de um trabalho de ampla discussão, o PMDB lançou o documento “Tirando o atraso, combater as desigualdades já”.

Esse texto base se tornou o suporte para a discussão eleitoral do PMDB. Nele está o princípio que o partido passou a cobrar de qualquer eventual aliado: investimento sério e continuado do próximo governo para reverter o cenário de injustiças sociais cultivado durante 500 anos no Brasil. É um programa de governo com um norte para o país. Ao mesmo tempo, deu norte ao PMDB.

O projeto encontra eco na sociedade. O PMDB passa a ser cortejado por várias outras legendas. Mas é na candidatura do senador José Serra, do PSDB de São Paulo, que as sementes do programa peemedebista começam a dar frutos. O candidato adota o mesmo discurso, adota a mesma plataforma e o mesmo tom na defesa da área social. Os laços se estreitam, afinal Serra é um velho peemedebista que esteve ao lado de Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Mário Covas na luta pela redemocratização.

Em 15 de junho de 2002, o partido ratifica em Convenção Nacional a decisão de se coligar com o PSDB para disputar a Presidência da República. O PMDB se projeta de novo rumo ao poder central do país. E não como um coadjuvante, mas como um parceiro, como um igual. E para demonstrar todo o compromisso com o resgate social, indica a deputa federal Rita Camata (ES) para ser a candidata a vice de Serra. Rita é uma parlamentar com história na luta pelas crianças, pelas mulheres e pelos menos favorecidos da sociedade brasileira.

Entre os peemedebistas, a tese da coligação ganhou ampla acolhida: dos 622 votos, 433 aprovaram a união com o PSDB. A candidatura do senador Roberto Requião conseguiu 218 votos. O PMDB rumou para as eleições defendendo o combate às desigualdades sociais do país. Durante o processo eleitoral, a divisão do partido se manifestou, com alguns peemedebistas apoiando o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que foi eleito presidente ao fim da disputa pelo cargo mais importante do país.

Um desses peemedebistas que apoiou Lula foi o senador José Sarney (AP), que acabou eleito, em 2003, presidente do Senado Federal. Na liderança da bancada da Câmara dos Deputados despontou Eunício Oliveira, um dos parlamentares cearenses mais votados em 2002. No Senado, o alagoano Renan Calheiros foi mantido no comando da bancada.

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